
A desertificação é um processo silencioso, invisível para muitos, mas que afeta já mais de 2 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Representa não apenas uma ameaça ambiental, mas também uma crise social, económica e humanitária que se agrava com as alterações climáticas e a exploração excessiva dos recursos naturais.
Neste Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, assinalado a 17 de junho, é urgente ouvir este apelo da terra e compreender como podemos regenerar o que ainda é possível salvar.
O que é a desertificação?
A desertificação é a degradação da terra em zonas áridas, semiáridas e sub-húmidas secas. Isso significa que o solo, antes produtivo, perde a sua fertilidade e torna-se cada vez mais incapaz de sustentar a vida, seja vegetal, animal ou humana.
Esse processo é causado por:
- Maus usos da terra: desflorestação, agricultura intensiva, monoculturas, sobrepastoreio
- Manejo inadequado da água: irrigação excessiva ou mal gerida, poluição, escoamento
- Alterações climáticas: aumento das temperaturas, secas mais frequentes e prolongadas
- Pressão humana crescente: urbanização, exploração excessiva, crescimento populacional
Ao contrário do que se pensa, a desertificação não é natural, mas consequência da ação humana combinada com fenómenos climáticos extremos.
Onde está a acontecer?
A desertificação afeta todos os continentes, mas algumas regiões estão particularmente vulneráveis:
1. África Subsaariana (Sahel)
Uma das regiões mais afetadas do mundo. A seca extrema e o uso intensivo do solo estão a tornar vastas áreas improdutivas, empurrando comunidades para a migração forçada.
2. Ásia Central e Oriente Médio
Países como Cazaquistão, Irão e Afeganistão enfrentam desertificação severa, com impactos profundos na segurança alimentar e hídrica.
3. América Latina (Brasil e México)
O semiárido nordestino brasileiro e partes do México sofrem com degradação crescente, afetando milhões de agricultores familiares.
4. Austrália rural
Secas prolongadas e práticas agrícolas extensivas têm afetado significativamente a capacidade produtiva do solo.
5. Sul da Europa: Portugal, Espanha, Grécia e Itália
O Sul da Europa é uma das zonas mais afetadas pela desertificação dentro da União Europeia. Estes países mediterrânicos enfrentam uma combinação crítica: verões cada vez mais quentes, escassez de água, solos pobres e pressão sobre os recursos naturais.
No nosso caso, cerca de 60% do território nacional encontra-se em risco de desertificação, com destaque para o Alentejo, Algarve e zonas interiores do Centro e Norte. A combinação entre longos períodos de seca, abandono agrícola, incêndios e má gestão da água está a acelerar o processo.
A situação no Sul da Europa mostra que a desertificação não é apenas um problema “do Sul Global”, mas que está a acontecer dentro das fronteiras europeias, afetando economias agrícolas, comunidades rurais e ecossistemas frágeis.
Impacto social e económico
A desertificação é um problema ambiental com forte impacto humano e económico:
- Insegurança alimentar: colheitas falham, os custos sobem, e milhões de peso enfrentam fome ou má nutrição
- Escassez de água: a terra seca não retém água, agravando os efeitos das secas
- Desigualdade e pobreza: comunidades rurais perdem os seus meios de subsistência, aprofundando a pobreza
- Migração e deslocamento: pessoas são forçadas a deixar as suas terras em busca de melhores condições
- Conflitos por recursos: o acesso à terra e à água torna-se motivo de tensão, especialmente em regiões frágeis
Como podemos mitigar ou combater a desertificação?
Felizmente, é possível inverter este cenário. Aqui estão algumas formas eficazes de combater a desertificação:
1. Agricultura regenerativa
Técnicas como a rotação de culturas, cobertura do solo, compostagem e plantio direto restauram a fertilidade do solo e aumentam a sua capacidade de reter água.
2. Reflorestamento e agroflorestas
Plantar árvores e criar sistemas agroflorestais ajuda a proteger o solo da erosão, aumentar a biodiversidade e manter o equilíbrio hídrico.
3. Gestão sustentável da água
Práticas como a captação da água da chuva, irrigação gota-a-gota e recuperação de nascentes reduzem o desperdício e promovem o uso eficiente da água.
4. Educação e políticas públicas
Capacitar comunidades locais com conhecimento e recursos é essencial. Ao mesmo tempo, governos devem implementar políticas que valorizem o uso sustentável da terra e da água.
5. Estilos de vida conscientes
Reduzir o consumo de produtos que exigem uso intensivo de solo e água, evitar desperdício alimentar e apoiar práticas sustentáveis faz diferença na pressão sobre os ecossistemas.
Ouvir a terra, agir com consciência
A desertificação é um sintoma visível de uma relação desequilibrada com a terra. O solo grita, mas fá-lo em silêncio, no amarelo seco das paisagens, no abandono dos campos, na perda de comunidades inteiras.
Proteger o solo é proteger a base da vida.
E regenerar a terra é também regenerar o nosso próprio futuro.