
As cidades estão na linha da frente da crise climática: são simultaneamente responsáveis por grande parte das emissões de gases com efeito de estufa e vulneráveis aos impactos de fenómenos extremos, como ondas de calor, inundações ou escassez de água. Mas até que ponto a investigação científica acompanha essa realidade?
Um estudo conduzido por investigadores do Japão e da Austrália analisou mais de 133 mil artigos científicos publicados desde 1913 sobre clima e cidades, usando métodos de inteligência artificial e modelação de tópicos. O objetivo: perceber que temas dominam, quais regiões do mundo são mais estudadas e onde estão as lacunas no conhecimento.
Aumento da investigação, mas com desigualdades
A investigação sobre cidades e alterações climáticas cresceu fortemente desde 1990. No entanto, os autores identificam uma diferença geográfica significativa: a maioria dos estudos foca-se em cidades da América do Norte, Europa e Ásia. Menos de 7% das publicações analisadas centram-se em cidades de África ou da América do Sul, apesar de serem regiões altamente vulneráveis.
O estudo revela padrões distintos entre regiões:
- Nos países do Norte Global (países considerados ricos, industrializados e com economias avançadas) há um maior foco em mitigação, ou seja, reduzir as emissões (por exemplo, eficiência energética, transportes, edifícios).
- Já no Sul Global (países em desenvolvimento ou com rendimento médio e baixo), destaca-se a adaptação, como gerir riscos de inundações, falta de água ou calor extremo.
Metade dos estudos analisados foca-se em abordagens mistas de mitigação e adaptação, mas há ainda muitas lacunas temáticas, sobretudo no que toca a saúde, sistemas de alerta precoce ou seguros climáticos.
Os temas mais trabalhados
Os tópicos mais frequentes incluem:
- Energia (como fonte de emissões e oportunidade de descarbonização)
- Água (acesso, qualidade, gestão)
- Calor e fenómenos extremos
- Transportes, resíduos e edifícios
Curiosamente, temas como uso do solo ou qualidade do ar continuam pouco explorados, apesar da sua relevância para a resiliência urbana.
O caso africano é particularmente preocupante. Apesar dos dados mostrarem um aumento de ondas de calor e temperaturas recorde, o tema “calor” ainda não surge como prioritário na investigação urbana sobre o continente. O mesmo se aplica a questões de saúde pública e seca.
Conclusão: mais equilíbrio e representatividade
O estudo conclui que, para responder eficazmente aos desafios climáticos nas cidades, é preciso:
- Expandir a investigação em cidades pouco estudadas, nomeadamente no Sul Global
- Diversificar os temas e adaptar as soluções ao contexto local
- Promover abordagens integradas entre mitigação e adaptação
Estes dados ganham especial relevância num momento em que o IPCC (The Intergovernmental Panel on Climate Change) prepara um Relatório Especial sobre Cidades e Alterações Climáticas (previsto para 2027). Esta investigação fornece uma base essencial para orientar futuras prioridades científicas, políticas e urbanas.
Referência:
Sharifi, A., Jin, Y., & Aboagye, P. D. (2025). Mapping and topic modeling of over 133,000 studies on climate change and cities: Trends, geographical disparities, and future research needs. Urban Climate, Volume 61. Link direto