
O novo relatório Biocombustíveis: dos processos de produção ao mercado, coordenado por investigadores do Instituto Superior Técnico (IST) e da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), oferece uma análise aprofundada sobre o papel atual e futuro dos biocombustíveis na matriz energética, particularmente nos setores mais difíceis de descarbonizar, como o transporte rodoviário pesado, a aviação e o transporte marítimo.
Embora a eletrificação seja o caminho dominante para a descarbonização de veículos ligeiros e comboios, o estudo salienta que os biocombustíveis continuam a ser a solução mais viável para setores com requisitos energéticos elevados e pouca flexibilidade tecnológica, como a aviação e o transporte de longo curso.
De acordo com dados da Agência Internacional de Energia (IEA), em 2022 os biocombustíveis evitaram o consumo diário de 1,67 milhões de barris equivalentes de petróleo, valor significativamente superior ao evitado pela mobilidade elétrica no mesmo período. As projeções até 2050 mostram que os biocombustíveis manterão um papel importante, especialmente se os compromissos políticos forem cumpridos.
Produção e evolução do mercado
O relatório documenta um crescimento exponencial da procura por biocombustíveis nas últimas duas décadas, passando de cerca de 500 PJ em 2000 para mais de 4.300 PJ em 2022. O bioetanol domina o mercado nas Américas, enquanto o biodiesel e HVO têm expressão significativa na Europa. O estudo também analisa as oscilações de mercado, com impactos visíveis causados pela pandemia e outras variáveis geopolíticas.
Sustentabilidade e desafios
Apesar das vantagens, os autores alertam para a pressão sobre recursos alimentares e ambientais. Em 2022, mais de 90% das matérias-primas utilizadas eram ligadas à cadeia alimentar, como milho, beterraba e óleos vegetais. A expansão descontrolada de culturas como a palma para produção de biodiesel tem causado desflorestação e perda de biodiversidade, levando a União Europeia a limitar gradualmente o uso dessas fontes (por exemplo, proibição do óleo de palma a partir de 2030).
Para responder a estes desafios, o estudo destaca a importância crescente dos biocombustíveis avançados, produzidos a partir de resíduos agrícolas, industriais, águas residuais e óleos alimentares usados. Esta abordagem está mais alinhada com os princípios da economia circular e permite reduzir o impacto ambiental da produção energética.
Orientações políticas da UE
O estudo sublinha a importância das diretivas RED I, II e III, que estabelecem metas cada vez mais ambiciosas para a utilização de energias renováveis nos transportes. A mais recente, RED III (2023), exige que 29% da energia usada nos transportes seja de origem renovável até 2030, com pelo menos 5,5% provenientes de biocombustíveis avançados, biogás e combustíveis sintéticos renováveis (RFNBOs).
O relatório conclui que os biocombustíveis são uma ferramenta estratégica de curto e médio prazo para a transição energética, sobretudo nos setores onde a eletrificação total não é realista no imediato. A chave está em evoluir para matérias-primas mais sustentáveis, apoiar a inovação tecnológica e garantir coerência nas políticas públicas.
Fonte: Biocombustíveis: dos processos de produção ao mercado, IST + ERSE, maio de 2025
Autores: Henrique Matos, António Domingues, Hugo Pires Costa, Ana Lúcia Costa