
A integração arquitetónica de materiais fotovoltaicos em edifícios não é uma novidade, havendo exemplos de referência desde os anos 90 do século XX, incorporados em diferentes elementos construtivos, como janelas, coberturas, sistemas de sombreamento ou até guardas de varandas. No entanto, a sua utilização não se encontra generalizada, em larga medida como consequência do preço elevado e do menor desempenho energético associados. A transparência é uma das características arquitetónicas mais valorizadas destes produtos fotovoltaicos especializados, podendo ser conseguida com diferentes abordagens, quer em materiais cristalinos quer em filmes finos.
Agora, uma nova geração de painéis fotovoltaicos transparentes poderá vir a transformar a forma como os edifícios produzem e consomem energia. Desenvolvidos por um consórcio de entidades académicas e industriais no âmbito do projeto europeu CITYSOLAR, estes painéis têm o potencial de transformar janelas comuns em geradores de eletricidade integrados, contribuindo diretamente para a descarbonização do setor da construção, responsável por cerca de 40% das emissões de CO₂ na União Europeia.
Um avanço significativo na eficiência
A equipa anunciou recentemente um recorde de eficiência de 12,3% para células fotovoltaicas transparentes, utilizando uma combinação de materiais orgânicos e perovskitas. Embora abaixo da média de eficiência dos painéis tradicionais (20–21%), este valor representa um enorme progresso para tecnologias que permitem simultaneamente a produção de energia e a passagem de luz solar.
A investigadora Jessica Barichello, do Centro para Energia Solar Orgânica e Híbrida de Roma, explicou que o avanço técnico foi possível graças à introdução de um espelho de Bragg, uma estrutura ótica que filtra e redireciona a luz de forma seletiva, maximizando a captação solar sem sacrificar a transparência.
As perovskitas, uma classe de compostos cristalinos, têm ganhado destaque na investigação fotovoltaica por apresentarem elevada eficiência e potencialmente baixos custos de produção. Segundo o National Renewable Energy Laboratory (NREL), a eficiência de células perovskitas em laboratório já ultrapassou os 25%, tornando-as promissoras para aplicações combinadas como esta.
Energia em simbiose com o design arquitetónico
Com 4 milhões de euros de financiamento da Comissão Europeia, o projeto CITYSOLAR pretende levar esta tecnologia a edifícios comerciais e institucionais com grandes superfícies envidraçadas. “As grandes fachadas de vidro dos edifícios modernos podem agora ser utilizadas para gerar energia, sem ocupar espaço adicional”, afirmou Morten Madsen, da Universidade do Sul da Dinamarca.
Atualmente, os painéis transparentes desenvolvidos no projeto CITYSOLAR encontram-se entre os níveis 5 e 6 de maturidade tecnológica (TRL), isto é, validados em laboratório e ambiente simulado, mas ainda sem protótipos funcionais em larga escala. Estão a ser sujeitos a testes de durabilidade térmica, resistência à radiação solar e desempenho ótico, e a sua viabilidade comercial ainda depende de mais validações e de comparações com janelas convencionais, que costumam ter vida útil de 15 a 30 anos.
Mercado 2 de Maio em Viseu: um exemplo de integração arquitetónica de vidro fotovoltaico em Portugal
Embora com uma abordagem tecnologicamente distinta, a aplicação de vidro fotovoltaico em Portugal pode ser visitada no Mercado 2 de Maio, em Viseu. Neste caso, o projeto de reabilitação contemplou a instalação de uma cobertura de vidro fotovoltaico de silício amorfo, fornecida pela empresa Onyx Solar. Neste projeto, a produção de eletricidade é combinada com transmissão de luz solar e controlo de ganhos térmicos, destacando-se ainda o cumprimento de requisitos patrimoniais.
Apesar de não empregar materiais emergentes como as perovskitas, o projeto em Viseu demonstra o potencial imediato da integração arquitetónica de tecnologia fotovoltaica em elementos construtivos — validando a viabilidade e o impacto destas soluções na prática. Trata-se de um bom exemplo de que o futuro da construção sustentável passa por transformar superfícies passivas em superfícies geradoras de energia, alinhando design, eficiência e responsabilidade ambiental.
Aplicações urbanas e agrícolas
As soluções de vidro fotovoltaico são particularmente relevantes no contexto da diretiva europeia do desempenho energético de edifícios (EPBD), que exige que novos edifícios públicos sejam edifícios de energia quase nula (NZEB) apartir de 1 de janeiro de 2028, o que também se aplicará a todos os novos edifícios privados apartir de 1 de janeiro de 2030.
Além da aplicação em meio urbano, destaca-se ainda o potencial dos painéis transparentes para uso em agrivoltaicos, sistemas que combinam produção agrícola com geração solar, maximizando o uso da terra. A elevada transparência dos painéis permite a passagem de luz suficiente para o crescimento das culturas, mantendo a produção de eletricidade no mesmo espaço.
Os sistemas agrivoltaicos estão a ganhar tração na Europa e em países como o Japão e os EUA, especialmente em regiões com pressões sobre o uso do solo. De acordo com a Fraunhofer ISE, estes sistemas podem aumentar a produtividade agrícola em certas condições e gerar energia suficiente para abastecer as explorações.
Uma solução promissora para edifícios e cidades
Com a crescente pressão para reduzir emissões e aumentar a eficiência energética, soluções que integram tecnologia fotovoltaica no ambiente construído — como telhados, fachadas e janelas — tornam-se cada vez mais estratégicas. A inovação dos painéis transparentes representa uma convergência entre design arquitetónico e funcionalidade energética, com impacto direto em edifícios públicos, residenciais e infraestruturas urbanas.
A CITYSOLAR mostra que é possível olhar para as janelas como ativos energéticos, e não apenas elementos passivos do edifício. À medida que a tecnologia evolui, espera-se que soluções deste tipo venham a desempenhar um papel central no futuro das cidades neutras em carbono.
Fontes complementares:
- National Renewable Energy Laboratory (NREL) – Perovskite Solar Cells
- Comissão Europeia – Buildings: Nearly Zero-Energy Buildings (NZEB)
- Fraunhofer ISE – Agri-Photovoltaics: Synergies of Food and Clean Energy