
As ilhas de calor urbano (ICU) são um dos impactos mais evidentes e localizados das alterações climáticas em ambiente urbano. Este fenómeno ocorre quando as zonas urbanas, com grande densidade de construção, pavimento impermeável e escassa vegetação, retêm mais calor do que as áreas circundantes, sobretudo durante a noite. Em Portugal, estudos recentes revelam que esta diferença pode atingir valores extremos, com implicações diretas na saúde pública, no conforto térmico e na equidade social.
Lisboa: epicentro do efeito ICU
A cidade de Lisboa, pela sua dimensão e diversidade morfológica, é o caso mais estudado. Um dos estudos mais significativos, coordenado pelo IGOT-ULisboa com dados de 2004 a 2012, mostrou que a diferença média noturna entre as zonas mais quentes e mais frescas de Lisboa pode atingir 6,3 °C durante o verão. As zonas mais críticas incluem a Baixa, Chelas, Carnide e Parque das Nações – com baixa ventilação e densa urbanização – e bairros com menor cobertura verde e pouca circulação de ar.
Estas variações têm causas claras: densidade edificada, falta de ventilação natural, materiais escuros que absorvem calor, largura das ruas e a ausência de vegetação.
Por exemplo, o Parque das Nações, embora com áreas arborizadas, sofre de fraca ventilação devido à forma como foi urbanizado após a Expo 98. O planeamento urbano ignorou a necessidade de canais para o vento, provocando acumulação térmica em avenidas principais.
Embora Lisboa seja o caso mais estudado, cidades como Porto, Coimbra, Faro e Setúbal também registam efeitos semelhantes. Iniciativas como a instalação de sensores climáticos na Área Metropolitana de Lisboa (Lisboa, Almada, Cascais) têm vindo a mapear microclimas urbanos para criar respostas localizadas e informadas.
Impactos na saúde e qualidade de vida
As temperaturas elevadas à noite dificultam o descanso e agravam doenças cardiovasculares e respiratórias. As populações mais vulneráveis – idosos, crianças, pessoas em situação de pobreza energética – sofrem desproporcionalmente.
Em Portugal, episódios extremos já deixaram marcas trágicas. Em 2003, cerca de 2 mil mortes foram atribuídas a uma onda de calor. Em 2013, o número voltou a ultrapassar os 1600 óbitos, e em 2018, Lisboa registou 44°C, o valor mais alto desde 1931
Em particular, a falta de alívio noturno durante as ondas de calor é apontada por especialistas como o fator mais crítico para a saúde pública urbana.
Soluções para mitigar as ilhas de calor
Para mitigar o efeito das ilhas de calor, as cidades portuguesas devem integrar medidas como:
1. Infraestrutura verde
Árvores caducifólias, zonas verdes diversificadas e manutenção de logradouros
2. Telhados e pavimentos frescos
Coberturas claras e materiais com alta refletância reduzem o armazenamento de calor.
3. Corredores de ventilação
Manter avenidas e espaços abertos permite a circulação do ar fresco, especialmente em cidades litorais.
4. Mapas de risco e sensores
Tecnologia de monitorização permite identificar microzonas críticas e testar medidas antes e depois da intervenção.
As ilhas de calor urbano são uma realidade cada vez mais evidente nas cidades portuguesas, com impacto direto no bem-estar dos habitantes e nos sistemas de saúde. A integração de planeamento urbano climático, dados em tempo real e soluções baseadas na natureza é essencial para tornar as cidades mais habitáveis, resilientes e justas num contexto de aquecimento global.
Cidades resilientes: o tempo de agir é agora
A adaptação das cidades às alterações climáticas não é opcional. É uma questão de saúde, justiça social e qualidade de vida. Ao investir em infraestrutura verde distribuída, materiais inteligentes, planeamento urbano ventilado e monitorização em tempo real, as cidades portuguesas podem não só mitigar o efeito das ilhas de calor, mas também preparar-se para um futuro mais quente — que já começou.