
No Dia Internacional do Clima (14 de maio), em que se celebra a importância da ação climática global, os dados não podiam ser mais claros — e alarmantes. O relatório European State of the Climate 2024 (ESOTC 2024), publicado a 15 de abril de 2025 pelo Copernicus Climate Change Service (C3S) e pela Organização Meteorológica Mundial (WMO), confirma que a Europa registou o ano mais quente de sempre. Os impactos das alterações climáticas no continente são cada vez mais visíveis, com fenómenos extremos a afetarem centenas de milhares de pessoas.
Em 2024, as temperaturas anuais médias atingiram níveis inéditos em quase metade da Europa. De acordo com o ESOTC 2024, a temperatura média anual na Europa atingiu 10,69°C, superando o recorde anterior de 2020 em 0,28°C . A superfície marítima também aqueceu drasticamente: a temperatura média do mar no espaço europeu foi 0,7°C superior à média histórica, e no Mediterrâneo esse desvio atingiu 1,2°C.
Este aquecimento acentuado esteve ligado a um aumento significativo de dias com stress térmico — mais de 60% da Europa experienciou mais dias do que a média com calor forte ou extremo. As denominadas “noites tropicais” (em que a temperatura não desce abaixo dos 20°C) atingiram novos máximos no sudeste europeu.
Chuvas intensas e inundações devastadoras
A Europa viveu o seu ano mais severo em termos de inundações desde 2013. Um terço da rede fluvial europeia ultrapassou o limiar de “inundação elevada”, com 12% a atingir o nível “severo”. Eventos como a tempestade Boris, em setembro, afetaram gravemente países como Alemanha, Polónia, Áustria, Hungria e Roménia. Em outubro, chuvas extremas provocaram perdas humanas e materiais na região de Valência, Espanha.
Incêndios e degelo acelerado
Em setembro de 2024, Portugal foi palco de incêndios florestais que devastaram cerca de 110 mil hectares numa só semana — o equivalente a 25% da área ardida total da Europa nesse ano. Ao todo, estima-se que 42 mil pessoas tenham sido afetadas pelos fogos no continente.
Simultaneamente, os glaciares europeus continuaram a perder massa. Registaram-se perdas recorde na Escandinávia e no arquipélago de Svalbard, com uma média de 1,8 metros de espessura perdida na primeira região e 2,7 metros na segunda.
Contrastes climáticos e desafios à neutralidade
O relatório destaca um contraste climático marcante entre o Leste e o Oeste da Europa. Enquanto o Leste enfrentou um verão seco, ensolarado e extremamente quente, o Oeste viveu um clima mais húmido, embora igualmente quente.
No Oeste da Europa, a elevada pluviosidade contribuiu para caudais fluviais acima da média, enquanto no Leste, o calor extremo e a seca provocaram uma redução significativa dos fluxos nos rios. O stress térmico — a carga física imposta ao corpo humano por temperaturas elevadas combinadas com humidade, radiação e vento — aumentou substancialmente nas regiões orientais, com várias zonas a registar um número recorde de dias com calor extremo.
Por outro lado, os níveis de radiação solar foram mais elevados nas zonas mais secas do Leste, resultando num maior potencial para a produção de eletricidade solar. Este contraste também afetou a geração de energia renovável: a produção hídrica foi reforçada no Oeste, devido às chuvas, enquanto a solar ganhou relevo no Leste, beneficiando das condições mais secas e soalheiras.
Energia renovável e políticas de adaptação
Apesar do cenário preocupante, a Europa registou progressos no setor energético: 45% da eletricidade gerada em 2024 teve origem em fontes renováveis, o valor mais elevado de sempre. O número de países onde as renováveis superam os combustíveis fósseis duplicou desde 2019, passando de 12 para 20.
Este avanço é essencial num contexto em que apenas 51% das cidades europeias têm atualmente planos de adaptação climática — um crescimento significativo face aos 26% em 2018, mas ainda insuficiente perante os riscos crescentes.
Apelo à ação: adaptação e resiliência como prioridades
Segundo Celeste Saulo, secretária-geral da WMO, “cada fração de grau de aquecimento importa, pois aumenta os riscos para as nossas vidas, economias e ecossistemas. Adaptar-se é essencial.”
Carlo Buontempo, diretor do C3S, reforça: “O relatório é uma mina de informação útil sobre o nosso clima. Aprender a usar estes dados para fundamentar decisões deve ser uma prioridade para todos.”
A edição de 2024 do ESOTC — que contou com cerca de 100 cientistas e uma galeria visual com 130 gráficos — oferece uma visão abrangente sobre o estado do clima europeu, sendo uma ferramenta essencial para planear uma transição justa e eficaz rumo à neutralidade climática.



