Edifícios devolutos nas cidades e sustentabilidade: recuperar compensa? 

Prédios vazios e degradados são uma ferida urbana, mas constituem igualmente uma oportunidade. A recuperação de edifícios devolutos pode reduzir emissões, reanimar bairros, criar habitação e empregos, e travar o espalhamento da cidade.  

O problema (e a oportunidade) 

O setor dos edifícios era responsável, em 2022, por cerca de um terço das emissões do sistema energético (26% na utilização diária e 7% associadas a materiais/construção). Reduzir emissões operacionais (aquecimento, arrefecimento, iluminação) e emissões “embebidas” (betão, aço, obra) é decisivo para as metas de clima. Recuperar o que já existe ataca os dois lados ao mesmo tempo: melhora a eficiência sem gerar o “pico” de carbono de uma obra nova.  

Recuperar vs. demolir e construir de novo 

A investigação é consistente: reutilizar e reabilitar edifícios tende a ter menor pegada ambiental do que demolir e construir de raiz, mesmo quando o novo é muito eficiente. Um estudo de referência concluiu que a reabilitação quase sempre traz poupanças ambientais face a nova construção, porque evita as emissões iniciais dos materiais e do estaleiro.  

As principais redes e guias internacionais passaram a pedir que se avalie o ciclo de vida completo (carbono operacional + carbono embebido) e que se priorize retenção/retrofit antes de optar por construir novo, caso do World Green Building Council. 

Benefícios ambientais 

  • Menos carbono “upfront”: corresponde às emissões libertadas logo no início do ciclo de vida de um edifício, desde a extração das matérias-primas até à produção de cimento e aço, transporte de materiais e obra no estaleiro. Faz parte do chamado carbono embebido, mas designa em particular o pico inicial de emissões associado à fase de construção (ou reconstrução). 

  • Evitar demolição e novas estruturas reduz emissões embebidas em cimento e aço, materiais intensivos em carbono. (IEA

  • Eficiência energética: a reabilitação profunda (isolamento, janelas, sistemas eficientes, renováveis) corta consumos e emissões na operação do edifício. É precisamente o que a iniciativa europeia Renovation Wave incentiva a escalar até 2030. 

Benefícios sociais e urbanos 

  • Mais habitação e comércio local: devolver edifícios ao uso reforça a oferta (alojamento, serviços, cultura) e reduz pressão em solos periféricos. A UN-Habitat sublinha a regeneração urbana como instrumento para reduzir desigualdades, trazer de volta ativos subutilizados e melhorar a qualidade de vida.  

  • Cidade mais compacta e sustentável: reabilitar no centro evita expansão urbana, dependência do automóvel e custos com novas infraestruturas. É uma peça-chave de regeneração urbana inclusiva defendida pela ONU-Habitat. 

Benefícios económicos 

  • Emprego local: obras de reabilitação tendem a mobilizar cadeias curtas de PME no bairro/cidade. A Renovation Wave da UE destaca criação de emprego no setor da construção e melhoria do conforto e bem-estar dos edifícios existentes.  

  • Valorização e receitas municipais: recuperar património atrai investimento, aumenta rendas/IMI de forma sustentada e anima ruas comerciais. 

  • Menor risco de “carbon lock-in”: ao evitar nova construção intensiva em materiais, reduz-se a exposição a futuras regulações de carbono embebido e custos de conformidade.  

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Quando faz (mesmo) sentido reabilitar?

  • Estrutura aproveitável: se a estrutura está íntegra, conservar a “ossatura” poupa grande parte das emissões embebidas.  

  • Potencial de eficiência: edifícios com más prestações energéticas beneficiam muito de isolamento, janelas, bombas de calor e solar.  

  • Localização central: devolver uso a imóveis em zonas servidas por transporte público maximiza impactos sociais e climáticos (menos deslocações).  

E quando a demolição é inevitável? 

Há casos de risco estrutural, contaminação grave ou tipologias impossíveis de adaptar a usos necessários (ex.: escolas, hospitais). Ainda assim, políticas recentes na Europa pedem provar que reabilitar não é viável antes de autorizar demolição, e promover desconstrução (recolha e reciclagem de elementos) para cortar emissões e resíduos.  

Para alinhar com cenários de neutralidade, as emissões na operação dos edifícios precisam de diminuir cerca de 50% até 2030 face a 2022, e as emissões embebidas do aço e do cimento também têm de cair rapidamente. A reabilitação é um dos caminhos mais rápidos para reduzir emissões agora, sem a penalização de carbono inicial de uma obra nova.  

Em conclusão, recuperar compensa, ambiental, social e economicamente, quando a estrutura é aproveitável e o projeto inclui eficiência energética e reuso de materiais. Reabilitar edifícios devolutos corta emissões, ativa bairros, cria habitação e empregos e evita que a cidade se espalhe sem necessidade. É uma das estratégias com melhor relação impacto/tempo para a transição climática nas cidades. 

Fontes recomendadas 

  • IEABreakthrough Agenda Report 2023 – Buildings. (IEA

  • IEACO₂ Emissions in 2023. (IEA

  • Preservation Green Lab (RMI)The Greenest Building. (ArchDaily