Estudo liga diretamente as ondas de calor às emissões das maiores empresas poluidoras do mundo 

Um novo estudo publicado na revista Nature estabelece, pela primeira vez, uma ligação direta e quantificada entre as emissões das grandes empresas produtoras de combustíveis fósseis e cimento — conhecidas como carbon majors — e as ondas de calor extremas registadas nas últimas duas décadas. A investigação, liderada por uma equipa internacional de cientistas, demonstra de forma sistemática como as emissões corporativas têm contribuído para o agravamento e a frequência destes fenómenos. 

Um novo capítulo na atribuição de responsabilidade climática 

O estudo, intitulado “Systematic attribution of heatwaves to the emissions of carbon majors” (Nature, 2025), analisou 213 ondas de calor ocorridas entre 2000 e 2023 em várias regiões do mundo. Utilizando um modelo climático de referência — o OSCAR v3.3 —, os investigadores conseguiram estimar o impacto direto das emissões de dióxido de carbono (CO₂) e metano (CH₄) provenientes de 180 empresas identificadas como as maiores emissoras históricas. 

Os resultados são claros: 

  • Todas as ondas de calor estudadas foram tornadas mais prováveis e mais intensas devido ao aquecimento global
  • Quando comparado com o período pré-industrial (1850–1900), a probabilidade de ocorrência de ondas de calor aumentou 20 vezes entre 2000 e 2009 e 200 vezes entre 2010 e 2019. 
  • Cerca de um quarto dos eventos analisados não teria ocorrido sem alterações climáticas

Além disso, as emissões associadas às carbon majors explicam aproximadamente metade do aumento da intensidade global das ondas de calor desde 1850. Mesmo empresas com menor peso relativo nas emissões contribuíram para dezenas de eventos extremos — em alguns casos, entre 16 e 53 ondas de calor específicas foram diretamente associadas às suas emissões. 

Porque é este estudo tão importante? 

Até agora, a ciência climática tinha identificado a influência humana no aquecimento global e na intensificação dos fenómenos extremos. No entanto, este é o primeiro trabalho a quantificar a contribuição de empresas específicas para eventos meteorológicos concretos. 
Esta distinção tem implicações significativas: 

  • Jurídicas, ao fornecer base científica sólida para processos de litigância climática e pedidos de compensação por danos; 
  • Políticas, ao reforçar a necessidade de responsabilização corporativa e de políticas de transição justa; 
  • Sociais, ao sublinhar o papel das comunidades mais vulneráveis, que enfrentam as consequências diretas de fenómenos climáticos cada vez mais intensos. 

O papel dos modelos e da ciência de atribuição 

O estudo combina dois tipos de análise: 

  1. Modelação das emissões corporativas, para calcular o contributo histórico de cada empresa no aumento da temperatura global; 
  1. Atribuição de eventos extremos (Event Attribution), uma metodologia desenvolvida pela rede World Weather Attribution, que estima a probabilidade de um evento específico ocorrer num clima alterado pelo ser humano. 

Deste cruzamento resulta uma abordagem inovadora, que permite associar cada evento extremo a um conjunto mensurável de emissões. 

Desafios e próximos passos 

Os autores reconhecem limitações: as bases de dados globais de desastres ainda são incompletas, sobretudo em países do Sul Global, e nem todas as emissões corporativas estão totalmente contabilizadas. Ainda assim, o método abre caminho a novas análises que poderão abranger outros riscos físicos, como secas, incêndios, inundações ou subida do nível do mar. 

“Não podemos falar de justiça climática sem compreender a responsabilidade histórica das grandes emissoras”, refere a equipa autora do estudo. “O conhecimento científico é agora suficientemente robusto para apoiar uma transição baseada na responsabilidade e na ação.” 

Um alerta claro para o futuro 

O relatório chega num momento em que as temperaturas recorde de 2024 e 2025 voltaram a destacar os riscos do aquecimento global descontrolado. As conclusões reforçam o papel da ciência na atribuição de responsabilidades e no desenho de políticas climáticas eficazes, alinhadas com o Acordo de Paris e os objetivos de neutralidade climática. 

Em última análise, este estudo confirma aquilo que muitos especialistas já antecipavam: as ondas de calor que afetam milhões de pessoas em todo o mundo não são apenas fenómenos naturais, mas são também o resultado direto de decisões empresariais e políticas tomadas ao longo de décadas