
A Comissão Europeia publicou, em julho deste ano, o Roteiro para Créditos da Natureza, um documento orientador que pretende estruturar um mercado transparente, credível e eficaz para este novo instrumento de política ambiental e económica. O Roteiro encontra-se atualmente em consulta pública até 30 de setembro de 2025 e representa um avanço significativo na tentativa de transformar a preservação da natureza numa oportunidade real de investimento e regeneração ecológica.
O que está em causa com este Roteiro?
O principal objetivo do Roteiro é estabelecer as bases para o desenvolvimento de mercados de créditos da natureza na União Europeia, assegurando:
- A credibilidade ambiental dos projetos;
- A rastreabilidade e mensurabilidade dos impactos positivos;
- A proteção contra o greenwashing;
- A integração com outras políticas europeias, como o Pacto Ecológico Europeu, a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 e os mecanismos de financiamento climático.
A Comissão sublinha que os créditos da natureza não devem substituir a obrigação de prevenir ou minimizar os impactos ambientais, mas sim complementar os esforços de restauração e regeneração da natureza quando a compensação for inevitável.
Mas afinal, o que são créditos da natureza?
Os créditos da natureza — também designados como créditos de biodiversidade — são instrumentos económicos que representam melhorias concretas em ecossistemas naturais, como a recuperação de áreas degradadas, reflorestamento, restauro de zonas húmidas ou proteção de espécies ameaçadas.
Na prática, funcionam assim:
- Um projeto de conservação é executado;
- Os seus benefícios ambientais são avaliados e certificados por uma entidade independente;
- Esses resultados são convertidos em créditos transacionáveis;
- Empresas, governos ou entidades podem comprar esses créditos para compensar impactos inevitáveis ou reforçar a sua responsabilidade ambiental.
Estes créditos têm potencial para mobilizar financiamento privado para a conservação, criando um mercado voluntário complementar ao financiamento público, e respondendo ao défice estrutural de financiamento para a restauração ecológica.
Portugal: entre a preparação e os primeiros passos
Portugal ainda não tem um mercado formal de créditos da natureza, mas está a posicionar-se para acompanhar as diretrizes europeias. A participação nacional na consulta pública do Roteiro demonstra interesse político e técnico em integrar estas orientações num quadro regulatório nacional.
Embora o país ainda não tenha legislação específica dedicada aos créditos da natureza, o Decreto-Lei n.º 4/2024 introduziu um conceito que prepara terreno: os Carbon Credit+, projetos de créditos de carbono que também geram benefícios colaterais em biodiversidade. Esta abordagem híbrida antecipa a futura convergência entre créditos de carbono e créditos de natureza.
Além disso, estão a surgir iniciativas de financiamento à conservação que, mesmo sem gerar créditos formais, mostram crescente maturidade do setor. Exemplo disso é o programa Alentejo 2030, que lançou uma linha de apoio de 5 milhões de euros para projetos de valorização da natureza, ou o trabalho de entidades como o Instituto de Conservação da Natureza e das Flores – ICNF,, ONGs e municípios empenhados na experimentação de modelos de governança e financiamento ecológicos.
Porque é que os créditos da natureza são relevantes agora?
Segundo estimativas da Comissão Europeia, serão necessários 65 mil milhões de euros por ano para restaurar a natureza na UE até 2030. O mercado de créditos da natureza é uma das ferramentas propostas para mobilizar parte deste financiamento, de forma inovadora, eficiente e inclusiva.
Os benefícios esperados incluem atribuição de valor económico à conservação da natureza; criação de incentivos para o setor privado investir na regeneração ecológica e maior integração entre políticas ambientais, climáticas e económicas.
Porém, a Comissão Europeia é clara: sem regras robustas, transparência e métricas rigorosas, os créditos da natureza correm o risco de se transformar em greenwashing. Por isso, o Roteiro sublinha a importância de:
- Garantir integridade científica na avaliação dos projetos;
- Evitar duplicação com outros mercados (como o de carbono);
- Assegurar o envolvimento de comunidades locais e partes interessadas;
- Criar estruturas de monitorização e auditoria eficazes.
Uma nova fase na relação entre economia e ecologia
O Roteiro para Créditos da Natureza da União Europeia marca o início de uma nova etapa na política ambiental europeia. Não se trata apenas de criar um novo mercado, mas de repensar a forma como se valoriza, protege e financia a natureza. Com a legislação em evolução e as orientações europeias em fase de consolidação, os próximos anos serão decisivos para garantir que os créditos da natureza contribuam, de facto, para uma economia regenerativa, justa e financeiramente sólida.



