Justiça climática na COP30: quem paga a crise e quem decide o futuro? 

Quando os negociadores chegarem a Belém do Pará em 2025 para a COP30, uma questão central estará em jogo: a justiça climática. A Amazónia, palco simbólico do encontro, não é apenas o pulmão do planeta ou o exemplo máximo de biodiversidade: é também o epicentro de desigualdades sociais, históricas e ambientais que refletem os dilemas globais da crise climática. 

A pergunta que ecoa é simples, mas desconfortável: quem paga a crise e quem decide o futuro? 

Desigualdades climáticas: países, regiões e comunidades 

As alterações climáticas não afetam todos de forma igual. Embora os países mais pobres e vulneráveis contribuam com uma fração das emissões históricas de gases com efeito de estufa, são eles que sofrem de forma mais dura os impactos: ciclones, secas prolongadas, inundações, ondas de calor. 

Os números confirmam essa injustiça: 

  • Em 2019, os 10% mais ricos da população global foram responsáveis por quase 48% das emissões de CO₂, enquanto os 50% mais pobres contribuíram com apenas 12% (WID, 2023). Em média, cada indivíduo dos países mais ricos emite cerca de 31 toneladas por ano, contra 1,6 toneladas das pessoas mais pobres, de acordo com o relatório da Oxfam em parceria com o Instituto Ambiental de Estocolmo
  • Historicamente, a América do Norte e a Europa respondem por cerca de 49% das emissões acumuladas desde a Revolução Industrial, ao passo que a África subsariana contribuiu com apenas 4% (WID, 2023). 
  • No entanto, os países mais pobres enfrentam impactos económicos desproporcionais: entre 1992 e 2013, ondas de calor reduziram em média 6,7% do PIB per capita de países de baixo rendimento, contra apenas 1,5% nos países ricos (Carbon Brief, 2021). 
  • Eventos extremos agravam a desigualdade: entre 1993 e 2022, desastres climáticos causaram mais de 765 mil mortes e 4,2 biliões de dólares em perdas económicas, sobretudo em países vulneráveis (Germanwatch, 2023). Um exemplo recente foi o das inundações no Paquistão em 2022, que deixaram 1 739 mortos e causaram prejuízos de cerca de 40 mil milhões de dólares. 

Além das disparidades entre países, há desigualdades internas: comunidades urbanas periféricas, povos indígenas e populações rurais são mais vulneráveis do que elites urbanas. Nos Pequenos Estados Insulares, como Tuvalu e Micronésia, a subida do nível do mar ameaça diretamente a soberania nacional, forçando deslocações em massa de comunidades. Já no interior africano, países como o Chade perderam quase 90% do Lago Chade, afetando milhões de pessoas dependentes da pesca e da agricultura. 

A justiça climática exige, portanto, reconhecer estas desigualdades profundas e redistribuir responsabilidades e recursos de forma proporcional. 

Financiamento climático: promessa e realidade 

Em 2009, os países ricos comprometeram-se a mobilizar 100 mil milhões de dólares anuais até 2020 para apoiar a mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento. A meta, porém, tem sido sistematicamente adiada ou cumprida apenas parcialmente. 

Na COP27 (Sharm el-Sheikh, 2022), foi dado um passo histórico: a criação de um Fundo de Perdas e Danos para compensar países vulneráveis por impactos irreversíveis das alterações climáticas. Mas até agora, o fundo existe sobretudo no papel e os valores prometidos são ínfimos face às necessidades reais, estimadas em trilhões de dólares até 2030

Na COP30, em plena Amazónia, espera-se que a pressão seja ainda maior para: 

  • Definir quem financia (e em que escala) o fundo de perdas e danos; 
  • Garantir acesso direto a comunidades e cidades, sem depender apenas da intermediação nacional; 
  • Ampliar os instrumentos de dívida climática justa, incluindo cancelamento ou reestruturação de dívidas de países que já enfrentam custos enormes de adaptação. 

Transição energética: quem beneficia, quem fica para trás? 

A urgência de abandonar os combustíveis fósseis abre novas frentes de desigualdade. A transição energética, se mal conduzida, pode reproduzir as assimetrias históricas: 

  • Países ricos capturam cadeias de valor das tecnologias limpas (painéis solares, baterias, hidrogénio verde); 
  • Países pobres ficam como meros exportadores de matérias-primas críticas (lítio, cobalto, terras raras), muitas vezes em condições precárias e com danos ambientais severos; 
  • Comunidades locais, sobretudo indígenas, veem os seus territórios transformados em “zonas de sacrifício” em nome da descarbonização global. 

Uma justa transição energética implica que os benefícios, caso do emprego, inovação, energia acessível, sejam partilhados, e que as comunidades mais vulneráveis participem nas decisões. 

Voz do Sul global: quem decide o futuro? 

As COPs foram historicamente dominadas por países industrializados. Porém, o Sul global tem conquistado mais espaço, pressionando por soluções que reflitam suas realidades. 

Na COP30, a voz dos países amazónicos e africanos será crucial: 

  • Exigem representação equitativa nos mecanismos de financiamento; 
  • Pedem reconhecimento do papel das comunidades tradicionais na proteção dos ecossistemas; 
  • Reivindicam que a transição verde não seja mais uma imposição, mas um processo de co-construção. 

Belém será um símbolo poderoso. Ali, num território marcado por desigualdade social, desmatamento e resistência de povos originários, a COP30 confrontará o mundo com a necessidade de alinhar a proteção da floresta à proteção das pessoas. 

Justiça climática, afinal, não é apenas uma questão de emissões: é sobre redistribuição de poder, recursos e responsabilidades

O teste da COP30 

A COP30 poderá ser o momento em que o mundo decide se a transição climática será justa e inclusiva ou se aprofundará desigualdades já existentes. 

  • Quem financiará as perdas e danos? 
  • Como garantir que os países e comunidades mais vulneráveis tenham voz real nas negociações? 
  • De que forma o Norte global reconhecerá a dívida histórica para com o Sul global? 

Responder a estas perguntas será decisivo para que o nosso planeta, tenha um futuro viável.